
"Camisas Negras" do Vasco em 1923, um ano antes da Resposta Histórica (Foto: Reprodução)
O dia 7 de abril de 1924 representa um marco fundamental na trajetória do Clube de Regatas Vasco da Gama e do futebol brasileiro. Em meio a uma sociedade conservadora, que tinha um olhar elitista para o esporte, a diretoria cruzmaltina se recusou a atender uma solicitação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), no fato que ficou conhecido como Resposta Histórica.
Para entender melhor o episódio, que completa 100 anos neste domingo (7), o Click Esportivo reúne tudo o que você precisa saber sobre o contexto da época, os protagonistas envolvidos e os ensinamentos herdados para a luta contra o racismo no futebol.
CORAGEM PRA LUTAR. ✊🏿💢#CoragemPraLutar#CentenárioRespostaHistórica#VascoDaGama pic.twitter.com/3KNS3ToWJr
— Vasco da Gama (@VascodaGama) April 7, 2024
Camisas Negras incomodaram a elite carioca
A brilhante atuação do elenco vascaíno de 1923, que conquistou o título estadual sobre o Flamengo, causou incômodo na elite carioca da época. O desconforto se dava em especial porque o time era composto por uma grande parcela de trabalhadores e operários, muitos deles negros e pardos.
Com jogadores vindos das classes mais abastadas, os demais clubes da elite local buscaram diversas formas de censurar a participação de negros e pobres no esporte. A alternativa encontrada foi a criação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), que teria o regulamento reformulado e mais elitista.
Entre as exigências da nova entidade, estava a exclusão de doze jogadores do plantel cruzmaltino, todos negros e pardos, sob a justificativa de que “não se encaixavam na conduta esportiva requerida pelo campeonato”.
O que é Resposta Histórica? Motivo de orgulho para torcida, ato do Vasco – @VascodaGama completa 100 anos. https://t.co/MYYBzVIV4X#PorMaisRespeito pic.twitter.com/pVyFHmbzrw
— Observatório Racismo (@ObRacialFutebol) April 7, 2024
Resposta Histórica como combate ao racismo
Para rebater a solicitação, o então presidente José Augusto Prestes redigiu a carta conhecida como Resposta Histórica, endereçado à nova entidade. O dirigente afirmou que as exigências colocavam o clube em uma posição de inferioridade, se recusando a fazer parte da AMEA.
“São esses doze jogadores, jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias”, diz um trecho da carta.
Arnaldo Guinle, presidente da AMEA, chegou a argumentar em favor da medida racista em uma réplica publicada no jornal O Paiz. “Alimentávamos a esperança de que, para o futuro, ele fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguesas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colônia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração esportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular”, escreveu.
100 ANOS DE UM MARCO PARA O FUTEBOL! ✊🏾💢
A CBF parabeniza neste domingo (7) o @VascodaGama pelo centenário da “Resposta Histórica”, documento assinado por José Augusto Prestes, então presidente do clube, que abria mão de participar do Campeonato Carioca de 1924.
Na carta, o… pic.twitter.com/Jtl306PDFH
— CBF Futebol (@CBF_Futebol) April 7, 2024
Homenagens
Por meio da nota, a CBF parabenizou o Vasco pelo feito, que considerou um marco para o futebol. “Essa carta foi um ato sem precedente de coragem do Vasco. Além de um marco na luta contra o racismo, o documento foi um passo decisivo pela inclusão de todos os brasileiros ao futebol”, afirmou o presidente Ednaldo Rodrigues.
O atual presidente do Vasco, o ex-jogador Pedrinho, também se manifestou sobre a Resposta Histórica. “Dia 7 de abril de 2024 marca os 100 anos do posicionamento do Vasco que mudou o curso da história do futebol. O Vasco se recusou a excluir seus atletas operários, negros e analfabetos e foi o primeiro time de futebol a conquistar um título, em 1923, levantando a bandeira da igualdade, respeito e inclusão”, declarou o dirigente cruzmaltino.
Confira, na íntegra, a Resposta Histórica:
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle, M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
José Augusto Prestes
Presidente